Especial: Setor de geração própria deve manter crescimento em 2023 apesar de mudança nas regras

Por Luciana Collet

São Paulo, 27/12/2022 – O setor de geração distribuída bem que tentou, mas não conseguiu postergar o início da vigência de novas regras para tarifação da energia proveniente de novos sistemas. Com isso, consumidores e empreendedores que solicitarem conexão de seus projetos na rede de distribuição após a primeira semana de janeiro de 2023 deverão se submeter a nova norma tarifária, menos vantajosa. Ainda assim, as perspectivas para o setor seguem de forte crescimento.

Conforme estimativas da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), o setor deve praticamente dobrar em 2022, com um acréscimo de cerca de 8 gigawatts (GW) em potência instalada, para 17 GW de capacidade. Se confirmada a projeção, o setor – que reúne projetos de diversas fontes, mas está amplamente concentrado em solar – já responderia pela quarta maior participação na matriz elétrica nacional, apenas atrás das hidrelétricas, termelétricas e eólicas. “Segundo projeção da Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], as fontes renováveis vão adicionar mais 7 GW em 2022, considerando apenas as grandes usinas; então GD deve crescer mais que todas as renováveis juntas”, comentou o presidente da ABGD, Guilherme Crispim.

Ele disse acreditar que em 2023 o setor adicionará novo volume significativo de capacidade, possivelmente repetindo, em volume, o desempenho de 2022, com mais 8 GW. Entre as razões para tal expectativa está o fato de que permanecerá no mercado um estoque de projetos com solicitações já protocoladas junto às distribuidoras, o que garante a manutenção dos atuais benefícios tarifários até 2045, e com prazo para realizar as obras.

Pelas regras existentes, usinas de microgeração, com até 75 kilowatts (kW) de potência, têm 120 dias para entrar em operação, enquanto usinas maiores da fonte solar (com até 3 MW) têm 12 meses e projetos de outras fontes com até 5 MW têm 30 meses.

Além disso, Crispim avalia que a mudança trazida pela nova tarifação tem “impacto irrisório”, especialmente no caso da microgeração. “Em alguns casos, a depender da distribuidora, até melhora no período entre 2023 e 2026”, disse. Ele se referiu ao fato que ao longo dos próximos anos será feita uma mudança gradual da tarifação, passando a cobrar crescentemente pela tarifa de distribuição (fio B), ante a atual cobrança do custo de disponibilidade, que pode ser mais elevada do que essa nova tarifa nos anos iniciais.

Segundo o diretor responsável pela prática de energia da Strategy& Brasil, braço de consultoria estratégica da PwC, Mauro Toledo, projetos menores de GD mantêm-se atrativos mesmo com as novas regras e a expectativa é de que, ao longo dos próximos quatro anos, com a esperada redução de custos de painéis solares e outros equipamentos, a taxa de retorno volte aos patamares atuais até 2029. “Para projetos maiores, com mais de 500 MW, haverá um impacto maior, afetando um pouco mais o retorno, mas a nossa visão continua bastante positiva”, disse.


Sistema de geração distribuída da TIM. Foto: Divulgação

Investimento em expansão

Empresários do setor solar concordam com a expectativa otimista de crescimento. “Em ritmo de construção, a tendência é que 2023 vai ser, talvez, maior que 2022, porque tem muita coisa que começou agora e que entrega em 2023, e esses projetos desenvolvidos no segundo semestre de 2022, que vão ser construídos a partir do primeiro semestre, então acho que 2023, em questão de construção, instalação de usina, será maior que 2022”, disse o diretor Comercial e de Relacionamento com Clientes da RZK Energia, Ricardo Valente.

“Da perspectiva das empresas e dos investimentos, o cenário é muito promissor”, avalia o diretor presidente da GDSun, Arthur Sousa. Para ele, independentemente das regras em vigor, existe um mercado crescente por soluções de geração distribuída, seja por parte das grandes empresas, seja por parte de consumidores de menor porte, que o setor classifica como “varejo” e que podem aderir à geração distribuída por meio da adesão a consórcios ou cooperativas, utilizando o modelo de usina compartilhada.

Souza considera que a Lei 14.300/2022, conhecida como Marco Legal da Geração Distribuída, mais do que ter estabelecido novas regras tarifárias, trouxe maior segurança para investidores. “Ela reforçou investidores como nós a continuar investindo e crescendo no setor.”

A empresa, que possui 44 usinas de geração distribuída no modelo de autoconsumo remoto em 9 Estados, somando uma potência instalada de mais de 106 megawatt-pico (MWp), vai dobrar a capacidade em 2023. E para os anos sucessivos, planeja adicionar 260 MWp. “Isso demonstra – e tem outras empresas como nós com planos de expansão – que a [lei] 14.300 não é limitador do crescimento do setor.”

Corrida

Atenta à janela regulatória estabelecida na lei 14.300, a GDSun buscou garantir que seus próximos projetos se mantenham dentro das atuais regras tarifárias. “Planejamos ter 100% dos nossos projetos em portfólio e no pipeline dentro da janela regulatória, o que permite a compensação integral da energia gerada até 2045”, disse.

A estratégia é semelhante à da RZK Energia, que possui atualmente 23 projetos de autoconsumo remoto em operação ou construção, além de uma usina centralizada, somando 100 MW, tem como meta chegar a 200 MW em até quatro anos. Para garantir a manutenção das condições atuais de tarifação nos novos projetos, a empresa fez uma série de solicitações de conexão em diferentes distribuidoras, contou Ricardo Valente.

Além de comercializar os projetos com grandes clientes, a RZK avalia a possibilidade por executar um projeto por conta própria, adotando um novo modelo de negócios, de geração compartilhada. “Será uma decisão interna; normalmente a gente acaba negociando e começa a construir com usina vendida, mas existe possibilidade de fazer e ir para o varejo, para o consórcio”, comentou.

Para isso, a empresa busca atrair um parceiro de varejo. “Estamos tratando com algumas empresas, para fazer parceria B2B2C”, disse, indicando uma estrutura na qual um parceiro varejista possa se responsabilizar pela negociação junto aos pequenos consumidores, ou em que a venda possa ser feita em conjunto.

Microgeração

Em outro segmento do mercado, o da microgeração, a franchising especializada em projetos de energia fotovoltaica Ágil Solar tem como meta dobrar o número de lojas em 2023, chegando a 40 unidades, no segundo ano da empresa como franquia, após um crescimento estimado da ordem de 80% em 2022. “Não enxergamos de forma negativa a questão da tarifação, estamos muito confiantes, mesmo com a mudança”, disse o fundador da empresa, Matheus Carvalho.

Para ele, 2023 pode ser um ano de consolidações no mercado, com uma “seleção natural” das empresas. “A gente observa no mercado certo despreparo, e como houve uma corrida do ouro, em que todos veem oportunidade, deverá ocorrer um movimento em que o próprio mercado vai filtrando aquelas empresas mais bem preparadas”, disse.

A Ágil Solar argumenta ter como diferencial uma maior proximidade do franqueado, oferecendo suporte seja na frente comercial como na área técnica. Além disso, Carvalho destaca que a proposta aos clientes é de acompanhamento integral do projeto, no longo prazo, desde o desenho até a pós-instalação. A continuidade do relacionamento, aliás, é considerado um segmento de bom potencial de expansão pelo empreendedor, para além dos serviços de manutenção. “Se pensar nos projetos já instalados, tem uma margem grande de pessoas que já tem projeto instalado querendo fazer acréscimos”, comentou, vislumbrando crescimento de vendas em unidades consumidoras que já possuem painéis instalados.

Contato: energia@estadao.com

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